“Eu perdi minha família, minha mãe e cinco irmãos morreram enquanto estava preso injustamente. Foram quase 20 anos de muita tortura dentro das prisões e preconceito das pessoas. Eu sinceramente não sei como aguentei, hoje olho para trás e não sei como eu não morri”. O triste relato vem do artista plástico Eugênio Fiúza Queiroz, 66, que ficou 18 anos preso – 17 em regime fechado e um ano em semiaberto – por suspeita de estupro e foi inocentado pela Justiça de Minas Gerais no mês passado.
Ele foi preso depois de ter sido confundido com Pedro Meyer Ferreira Guimarães que cometeu uma série de estupros, a maioria nos anos 90, e ficou conhecido como “maníaco do Anchieta. No entanto, a inocência perante a Justiça não trouxe alívio para Queiroz, que ainda carrega consigo a forte sensação de injustiça, mas quer recomeçar a vida.
“A Justiça demorou tempo demais para me inocentar. Enquanto isso eu sofri muitas atrocidades. Não estou bem nem com a Justiça e nem com a sociedade, mas quero ficar bem comigo mesmo. Quero uma indenização para recomeçar a minha vida. Vou escrever um livro com minha história. Tenho fé em Deus que vou conseguir”, almeja o artista plástico que atualmente vive com a sua única irmã.
Queiroz foi detido em 1995 depois de ter sido reconhecido na rua por uma das vítimas como autor do estupro. Depois ele foi levado a Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde foi reconhecido por mais oito vítimas de estupro. Ele foi mantido em custódia até que fosse decretada sua prisão. Mesmo depois da prisão dele, crimes com as mesmas características voltaram a acontecer. O artista plástico foi condenado há 37 anos de prisão por cinco crimes de estupro.
O caso só começou a ser esclarecido depois que em março de 2012, quando a polícia prendeu Pedro Meyer Ferreira Guimarães, reconhecido por uma de suas vítimas estuprada no bairro Cidade Nova, região Centro-Sul de Belo Horizonte em 1997. Depois disso, ele foi reconhecido ainda por várias outras vítimas. Com a prisão de Meyer ficou clara a semelhança dele com Queiroz.
“Eles prenderam o verdadeiro suspeito e eu ainda continuei preso, isso é um absurdo. Se eu não tivesse procurado a defensoria e se eles não tivessem me ajudado eu ia estar atrás das grades até hoje. Isso é um absurdo, foram 20 anos da minha vida perdidos”, reclama o artista plástico.
Segundo os defensores públicos que estão atuando no caso, Ricardo de Araújo Teixeira e Wilson Hallak, a prisão de Meyer levantou a hipótese de o artista plástico ter sido preso por uma confusão, “a partir de então, confirmaram-se as afirmações do assistido, proferidas desde o início, no sentido de que havia sido confundido com o verdadeiro autor dos fatos, na medida em que é gritante a semelhança física entre ele e Meyer. Além disso, o modus operandi dos crimes imputados ao assistido e a Meyer é o mesmo”, informou a defensoria por nota.
Os defensores públicos disseram ainda que ele sempre negou o crime. “A condenação foi feita unicamente com o reconhecimento das vítimas, o que é perigoso, pois acaba por levar a condenações injustas. Ele teve ainda a infelicidade de ser tão parecido com o verdadeiro autor do crime”, explicou o defensor Wilson Hallak.
No início do ano passado Queiroz foi encaminhado pelo Núcleo de Apoio às Vítimas de Crimes Violentos (NAVCV) para atendimento pela área criminal da Defensoria Pública. Ele afirmou aos defensores que estava sendo confundido com o verdadeiro autor dos crimes.
Em agosto de 2014, em resposta a pedido da Defensoria Pública em ação de revisão criminal, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou, por liminar, a suspensão dos efeitos de decisão condenatória contra o artista plástico em processo da 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte. Desde então ele aguardava em liberdade o julgamento da ação de revisão.
Em novembro deste ano, as ações de revisão foram julgadas pelo 1º Grupo de Câmaras Criminais da Justiça que decidiram por inocentar o artista plástico.
Nos próximos dias ele será encaminhado para atendimento da área Cível da Defensoria Pública onde deve ser feita uma ação de indenização contra o Estado. “Eu quero uma casa nova e dinheiro para recomeçar minha vida, reconstruir meu atelier. Atualmente estou totalmente na pobreza e sofrendo muito com isso”, afirma.
Outro sócia
O ex-porteiro Paulo Antônio da Silva foi inocentado depois de ficar 15 anos preso, também por ser confundido com Pedro Meyer. Ele foi preso em 1997 e só foi libertado em 2012, quando Meyer foi reconhecido por uma vítima e preso. Paulo ficou afastado da família entrou em depressão e ganhou na Justiça, no ano passado, o direito de receber R$ 2 milhões de indenização. De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) o Estado recorreu da decisão e o processo ainda está em andamento.
Condenação Pedro Meyer
O ex-bancário Pedro Meyer, autor dos crimes, foi condenado a 13 anos e quatro meses de prisão pelo estupro de uma menina de 11 anos, em 1997, no bairro Cidade Nova, na região Nordeste. Em 2012, a vítima, com 26 anos, reconheceu Meyer como autor do estupro e ele foi preso. Ele está preso em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte e já cumpriu 3 anos e quatro meses de pena em regime fechado.
Fonte: O Tempo