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Como Star Wars pode ajudar a entender o Direito Constitucional

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Considerando que o ponto central do enredo de Star Wars é justamente o momento em que Palpatine derruba a República, é um tanto irônico que alguém possa pensar no épico de George Lucas quando o assunto é criar analogias com a evolução da constituição de um país. Mas, como o site Ars Technica aponta, o professor de Direito Constitucional de Harvard (e nerd honoris causa) Cass Sunstein fez exatamente isso.

Em um artigo intitulado “How Star Wars Illuminates Constitutinal Law” (PDF) para o jornal acadêmico Michigan Law Review, Sunstein argumenta que a lei e a arte são similares no sentido de que ambas dependem de acasos, situações não planejadas e “sacadas” oportunas. Um dos grandes exemplos disso, segundo o autor, é a criação de Star Wars. Em resumo:

“Seres humanos frequentemente enxergam coerência e design onde nenhum existe. Assim é em filmes, na literatura, na história, na economia e na psicanálise – e no direito constitucional. A despeito de várias afirmações de George Lucas, seu principal criador, Star Wars certamente não foi planejado a priori, e dependeu de muita improvisação e surpresas imprevistas pelo próprio Lucas. Serendipidade e casualidade, às vezes sob a forma de erupções na maneira de pensar, têm um papel pervasivo e subestimado na imaginação criativa das obras com um único autor e, especialmente, daquelas que são desenvolvidas ao longo do tempo por vários autores.

“A serendipidade impõe demandas sérias à busca de coerência na arte, na literatura, na história e no direito. Essa busca leva muitas pessoas (incluindo Lucas) a descrever errôneamente a natureza de sua própria criatividade e autoria. Tal erro parece saciar a vontade humana de encontrar sentido e padrões em tudo, mas também é um grande obstáculo para a compreensão e a crítica reflexiva. Sejam eles Jedi ou Sith, muitos autores do direito constitucional são como Lucas ao esconder a natureza essencial de seu processo criativo.”

O argumento de Sunstein culmina com a análise da cena em que Darth Vader revela ser o pai de Luke Skywalker. O famoso diálogo seria um instante revisionista que, apesar de manter a continuidade com a história que se desenrolou até aquele momento, faz com que tudo que a audiência assistiu seja reinterpretado. De repente, o maior vilão do Império também se torna a origem da maior esperança dos Rebeldes:

“De todos esses pontos, o mais importante e o que pode ser tomado como uma síntese do todo, é o fato de que Lucas decidiu que Darth Vader era o pai de Luke num estágio relativamente tardio. O momento do ‘I am your father’ – que representará um papel importante nesta resenha e que têm muitos análogos em muito campos, incluindo o direito – é o instante em que Lucas conduziu Star Wars para um novo caminho narrativo que se encaixa bem com o que havia acontecido até então, mas que também joga uma nova luz sobre esses mesmos eventos, algo que não havia sido antecipado pelo diretor.”

A conclusão é que, da mesma forma que Star Wars deu uma guinada inesperada, a lei também sofre os efeitos de mudanças impossíveis de se antecipar e, portanto, está sempre sob a ameça de se tornar incoerente com a realidade ou consigo mesma:

“Um filme ou um romance estão presos à noção de que toda a história tem um final (embora possamos esperar que isso não seja válido para Star Wars). A lei não tem essa mesma restrição. Uma implicação disso é que o surgimento de novas circunstâncias inesperadas é inevitável, o que torna a garantia de coerência difícil ou talvez impossível. (Considere a invenção da telefonia e da Internet, o crescimento dos mercados nacionais, os novos papéis assumidos pelas mulheres, as novas normas de orientação sexual.) Na série de TV interminável chamada Direito Constitucional, algum tipo de ‘plot twist’ pode ser inevitável (e não simplesmente para acabar com a monotonia).”

Sunstein dá, então, um exemplo concreto de reviravolta não planejada no direito citando o histório de decisões judiciais sobre a primeira emenda da constituição americana (que se refere à liberdade de expressão entre outros direitos):

“Essa proteção robusta do discurso político que hoje existe é o resultado de um breve (e tardio  e brilhante) momento no tempo, pontuado por várias decisões ao estilo de ‘I am your father’, especialmente em 1964 (New York Times v. Sullivan) e 1969 (Brandenburg v. Ohio). Ao usar a Primeira Emenda contra as leis de libelo estaduais em’“Sullivan’, a Corte afirmou uma verdade que demandou a reintepretação de tudo que havia acontecido antes: ‘a mortalha do medo e da timidez imposta sobre aqueles que dariam voz à critica pública é uma atmosfera na qual as liberdades da Primeira Emenda não podem sobreviver” (Isso é verdade? Talvez. Mas num mundo paralelo, do tipo que Star Wars não explorou – esse é a tarefa de Star Trek – a Corte não pensou assim.”

Fonte: info.abril.com.br