O Juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância, afirmou que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (17/02) fecha uma janela de impunidade.
O STF mudou sua jurisprudência e passou agora a entender que a prisão de um condenado após a decisão do segundo grau não viola o princípio da presunção de inocência.
“Eu acho que fecha uma grande janela de impunidade. Fechando essa janela de impunidade, pode haver um recado mais geral de que o sistema está mudando, e que a impunidade não será mais uma regra”, afirmou, em entrevista ao JOTA.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) propôs ao Congresso Nacional uma alteração legislativa para permitir a execução antecipada da sentença em casos de crimes graves.
A decisão do Supremo – ao julgar o habeas corpus 126.292 – permitiria a execução da pena por qualquer crime após a confirmação da sentença pela segunda instância.
“Eu acho que, na medida em que o foco do processo se deslocar mais para o mérito do que para medidas protelatórias, há um ganho, não só para o processo, como para a sociedade em geral. A sociedade quer que o processo funcione”, argumentou Moro.
Leia abaixo a entrevista:
A Ajufe defendeu a mudança na legislação para permitir a execução provisória da pena. Como o sr recebe essa decisão do Supremo?
O grande problema do nosso processo é a morosidade, a demora excessiva. E como foi muito bem colocado por vários dos ministros nos votos, essa exigência do trânsito em julgado acabava servindo de incentivo a recurso, mesmo por quem não tem razão.
Acho que o Supremo tomou uma decisão correta, estabelecendo um marco diferente do anterior. É um marco intermediário, nem antes da sentença, nem depois da sentença, mas depois do julgamento da apelação – que é julgada por um colegiado. E segue um parâmetro que não é fora do sistema mundial. Tem países que já permitem a prisão depois do primeiro julgamento. Essa exigência do trânsito em julgado era um exagero da jurisprudência anterior.
O processo – tanto no cível quanto no penal – tem dois lados. No penal, tem o acusado de um lado e do outro lado está a vítima, que espera uma resposta para o seu caso. E a vítima, até com mais ansiedade que no processo cível, espera uma decisão porque normalmente a vítima é o sucessor de alguém que foi vítima de homicídio ou uma pessoa diretamente atingida por um crime. Ou, em alguns casos, a vítima é até a sociedade como um todo, atingida por esses crimes de tráfico de drogas e corrupção.
Que efeitos o sr vê sobre o procedimento dos advogados? Ministros falaram que isso pode mudar a cultura de recursos atrás de recursos…
Eu acho que fecha uma grande janela de impunidade. Fechando essa janela de impunidade, pode haver um recado mais geral de que o sistema está mudando, e que a impunidade não será mais uma regra.
E no curto prazo? Que impacto gera a decisão?
Isso vai ter reflexos imediatos nos casos concretos, porque os tribunais que forem julgando as apelações já vão poder ordenar a imediata execução do julgado. Isso vai ter reflexo importante nos casos concretos. E acho que essas decisões nos casos concretos vão incrementar essa sensação de que essa janela de impunidade foi fechada.
E isso vai valer para as operações recentes, como Lava Jato?
Sim.
Essa decisão aumentará a população carcerária, como ressaltaram ministros contrários à execução provisória. Como combinar um sistema carcerário digno e essa decisão?
Esse é um problema. Mas a situação é muito clara: alguém cometeu um crime e tem que sofrer a sanção prevista na lei. Tem processo para isso e o processo tem que dizer se a pessoa é culpada ou não. O inocente tem que ser absolvido e o culpado, punido. Se a consequência for uma prisão, o sistema tem que absorver isso. O disfuncional é quando o sistema não dá uma resposta, quando a resposta é tardia ou quando há prescrição – que era uma consequência dessa janela de impunidade. O sistema tem que se preparar. Essa questão da população carcerária pode ser resolvida de uma outra forma, uma sintonia mais fina em relação a quem realmente tem que ser preso. Tem a parte material também: o Estado tem que investir nos presídios. Não adianta ficar reclamando da situação carcerária e ter do outro lado altos índices de criminalidade – e não estou falando de crimes de colarinho branco, estou falando de crimes em geral. Será que a nossa taxa de homicídio – de 50 mil homicídios por ano – não é algo para se levar em conta? Esse argumento de excesso de prisão é um pouco simplificador.
Que impacto o sr vê sobre o processo criminal?
Eu acho que, na medida em que o foco do processo se deslocar mais para o mérito do que para medidas protelatórias, há um ganho, não só para o processo, como para a sociedade em geral. A sociedade quer que o processo funcione. O processo não está aí para servir ao juiz, ao promotor ou advogado. O processo está aí para servir à sociedade, ao indivíduo. Essa prática protelatória é uma disfunção.
Fonte: Jota