“Uma imagem vale mais que mil palavras.” A frase do pensador chinês Confúcio, que ficou conhecida mundialmente, descreve o poder que uma fotografia tem de revelar, evidenciar, contradizer e até desmentir, ou desmascarar.
Não é à toa que sejam cada vez mais recorrentes ações judiciais sobre violação a direito de imagem. Na era digital, as imagens são captadas e divulgadas praticamente de forma simultânea nos veículos de comunicação. Além disso, os equipamentos, a técnica e a inspiração dos profissionais que fotografam têm sido aperfeiçoados, permitindo que detalhes que antes seriam praticamente invisíveis sejam facilmente notados.
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “O direito à imagem assumiu posição de destaque no âmbito dos direitos da personalidade devido ao extraordinário progresso tecnológico, sobretudo no âmbito das comunicações, tanto no desenvolvimento da facilidade de captação da imagem, quanto na de sua difusão”.
Diante da possibilidade da captação à distância e da reprodução mundial de uma imagem, Salomão afirmou que tem crescido a preocupação quanto à proteção a esse direito.
Há litígios que chegam ao STJ envolvendo tanto os direitos de personalidade do fotografado, como a imagem, a honra e a intimidade, quanto o direito autoral do fotógrafo. No Dia Mundial do Fotógrafo, 19 de agosto, confira aspectos da jurisprudência do tribunal sobre a violação desses direitos.
Playboy
Em junho deste ano, a Quarta Turma do STJ julgou um recurso especial sobre o duelo constante entre a liberdade de imprensa e o direito à intimidade. Uma banhista ajuizou ação de indenização pelo uso indevido de imagem e por danos morais, em razão da publicação, sem autorização, na revista Playboy, de uma fotografia sua em traje de banho, enquanto tomava sol na barra da Tijuca (RJ). Na publicação, constou a legenda “Música para os olhos (e o tato)” (REsp 1.243.699).
Na sentença, a editora Abril e o fotógrafo foram condenados solidariamente ao pagamento de R$ 15 mil de indenização. Contudo, o Tribunal de Justiça fluminense considerou que a publicação da fotografia apenas havia retratado a autora como ela se apresentou na praia, “em espontânea exposição ao público”. Segundo a corte estadual, a legenda deveria ser interpretada como “um elogio ao corpo da banhista”.
No STJ, os ministros da Quarta Turma discordaram do acórdão. Para o relator, ministro Raul Araújo, “a ofensa ao direito à imagem materializa-se com a mera utilização desse atributo da pessoa sem autorização”.
Ele considerou que a exibição do corpo feminino – em traje de praia, em ângulo provocante, e com dizeres em linguagem ousada – compôs em contexto constrangedor e ofensivo aos direitos da personalidade. A indenização por dano moral foi fixada em R$ 20 mil.
Direito personalíssimo
Há precedentes no STJ considerando que, em relação ao direito de imagem, a obrigação de reparar decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não sendo necessário provar a existência do prejuízo ou dano. Em outras palavras, o dano é a própria utilização indevida da imagem.
Contudo, no caso em que o fotografado é falecido, o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta ou colateral, tem legitimidade para adotar as medidas judiciais cabíveis para reparação do dano ocasionado à imagem.
Esse foi o entendimento adotado pela Quarta Turma em julgamento de recurso especial interposto por esposa de vítima de acidente rodoviário. A fotografia do homem morto, ensanguentado e preso às ferragens de um ônibus escolar, foi estampada na capa de um jornal de Sergipe (REsp 1.005.278).
“Não deixou o legislador de conferir proteção à imagem e à honra de quem falece, uma vez que estas permanecem perenemente lembradas nas memórias dos sobreviventes, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida”, lembrou Salomão.
Direito autoral X direito de imagem
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, “o ordenamento jurídico brasileiro, de forma ampla e genérica, confere à fotografia proteção própria de direito autoral”.
E essa proteção, explicou Salomão, atinge o fotógrafo, e não o fotografado. Isso porque é o fotógrafo quem “coordena os demais elementos complementares ao retrato do objeto, quem capta a oportunidade do momento e o transforma em criação intelectual, digna, portanto, de tutela como manifestação de cunho artístico”.
Em outubro de 2014, a Quarta Turma analisou o recurso especial de uma atriz que pedia indenização pela republicação de ensaio fotográfico em edição posterior de revista. Em suas razões, ela apontara ofensa ao artigo 4º da Lei de Direitos Autorais (REsp 1.322.704).
Salomão explicou que, nesse caso, a atriz fotografada não goza de proteção de direito autoral, porque nada cria. Segundo ele, a imagem dela compõe obra artística de terceiros. “Portanto, descabe analisar a apontada ofensa ao artigo 4º da Lei de Direitos Autorais, uma vez que tal dispositivo não socorre à modelo fotografada, a qual não é titular de direitos autorais oponíveis contra a editora da revista na qual as fotos foram divulgadas”, concluiu.
Quem responde
Quanto à responsabilidade pela publicação de fotografia não autorizada, o ministro João Otávio de Noronha considera que é a editora quem responde, e não o terceiro que eventualmente tenha fornecido o material a ser divulgado. Segundo Noronha, “os cuidados com os direitos autorais são de quem publica” (REsp 1.317.861)
No caso julgado pela Terceira Turma, em maio deste ano, um fotógrafo ajuizou ação indenizatória por danos morais e patrimoniais contra Jota Comunicação (BM Editora Ltda.). O caso envolvia a publicação, na revista VOI, de fotografias de sua autoria em informe publicitário, sem sua autorização e sem indicação de autoria.
Após ter sido condenada nas instâncias ordinárias, a editora recorreu ao STJ. Pediu que a Prefeitura de Foz do Iguaçu (PR) respondesse pela publicação, já que teria disponibilizado as imagens.
Contudo, para o relator do caso, ministro João Otávio de Noronha, “é a editora de revistas a responsável por suas publicações, devendo observar o respeito aos direitos autorais de terceiros”. Mesmo que se trate de matéria publicada no interesse de outrem, disse o ministro, a divulgação do material recebido do contratante é de sua responsabilidade, e não do contratante.
Dano material
O lesado é quem deve provar a extensão do prejuízo material que sofreu. A falta de pagamento para a utilização de uma fotografia protegida já comprova o ato ilícito. Contudo, quantificar o dano não é uma tarefa simples. Para a ministra Isabel Gallotti, “o valor da obra intelectual, o proveito de quem a usa indevidamente e o prejuízo do autor nem sempre se revelam de modo imediato”.
Em outubro de 2015, a Quarta Turma julgou recurso especial de um profissional que teve fotografia de sua autoria estampada em matéria de periódico distribuído a integrantes de uma associação (REsp 1.120.423). O cálculo feito pelo autor correspondente ao prejuízo ultrapassava o valor de R$ 900 mil.
A ministra Isabel Gallotti, relatora, observou que a imagem usada sem a devida licença correspondia apenas a uma pequena porção da obra que era distribuída aos associados, sem caráter comercial. “O uso não autorizado de fotografia enseja reparação, a qual não corresponde ao valor de confecção dos exemplares em que publicada, e nem apenas ao valor da foto em si”, explicou.
A turma considerou que o valor da indenização fixado nas instâncias ordinárias fora adequado. O fotógrafo recebeu o custo médio da confecção de dois mil exemplares do jornal, além do valor da fotografia utilizada, avaliado em perícia, com correção e juros.
REsp 1243699 REsp 1005278, REsp 1322704 REsp 1317861 REsp 1120423
Fonte: STJ