“Fui roubado. Um homem apontou uma arma para mim…“, denuncia uma pessoa à polícia.
“Ok, ok“, responde o detetive. “Onde você estava quando tudo aconteceu?”
“Estávamos em um posto de gasolina.”
“Às 4h da manhã, vocês pararam em um posto de gasolina. Por quê?”
“Para usar o banheiro.”
“Então, vocês foram ao banheiro…”
“Sim, e um sujeito apareceu…”
“Espera, espera“, interrompe o detetive. “Vocês entraram no banheiro. Aconteceu alguma coisa nesta hora?”
“Quê?”
“Falaram com algum funcionário. Houve algum desentendimento…”
“Ah… Não! Nada disso…”
(Silêncio)
“Toquei num ponto sensível“, pensa o detetive. “Por que será que não quer falar de algo que aconteceu no banheiro, mas do resto das coisas, sim?”
Esse é um diálogo imaginário usado pelo tenente Joe Kenda, veterano do Departamento de Polícia de Colorado Springs, no oeste dos Estados Unidos, para explicar à BBC seu método de detectar mentiras.
Fez isso tendo como referência o caso envolvendo Ryan Lochte e outros três nadadores americanos que foram pegos mentindo, após denunciarem um assalto a mão armada no Rio de Janeiro durante uma noite em que saíram para celebrar as medalhas conquistadas na Rio 2016.
‘Exagero’
A polícia brasileira contestou a versão dos atletas e os acusou de terem cometido vandalismo em um posto de gasolina. Para poder investigar o caso, três deles foram impedidos de sair do país – Lochte já estava em casa quando a ordem foi expedida.
Uma vez nos Estados Unidos, Lochte foi a um programa da emissora NBC para dizer que assumia toda a culpa pelo ocorrido.
“Exagerei a história e, se não fosse por isso, não estaríamos envolvidos nesse problema. Nada disso teria acontecido se não fosse por meu comportamento imaturo“, reconheceu o campeão olímpico.
“Quando as pessoas mentem, tendem a não ser muito boas em fazer isso“, destaca Kenda. “Deveriam ao menos ter a decência de serem boas mentirosas. A maioria não é.”
Kenda agora apresenta o programa “Caçador de Homicídios”, no canal Investigation Discovery, nos Estados Unidos. Quando era policial, seu departamento tinha a maior taxa de resolução de casos de todo o país.
Mas como saber se uma pessoa está mentindo?
O método “Columbo”
“Como policial, não confio nem acredito em ninguém“, diz sem rodeios.
“O comportamento humano é muito previsível, e, se você me conta algo fora do comum, isso chama atenção. ‘Por que você fez isso? Não conheço outra pessoa que teria feito isso neste caso, mas você disse que o fez. Por quê?’”
Quando alguém chega com um relato ou denúncia, Kenda faz questão de repassar tudo ponto a ponto. A suposta vítima sempre quer ressaltar o fato central do relato, mas o detetive deve explorar o entorno, os detalhes menores.
É uma técnica que segue o método da famosa série policial “Columbo“, exibida nos anos 1970, em que o protagonista insiste em fazer perguntas aparentemente inócuas.
“Ah, uma coisa antes de eu ir. Você foi ao supermercado antes ou depois de ver sua namorada“, perguntaria Columbo.
É exatamente esse o jogo que o bom detetive faz com o interrogado, destaca Kenda. Porque as pessoas podem não se lembrar de tudo que disseram quando o relato é uma invenção, argumenta ele.
No pôquer e na sociedade
A análise também deve ir além das palavras e envolver uma leitura do comportamento do indivíduo.
“Se em algum momento da conversa, você levanta a voz, fica na defensiva ou é evasivo, está mentindo“, aposta o ex-policial.
Quando alguém mente e sabe que está fazendo isso, há sinais que delatam. É por isso que buscam os detetives, como quando se joga pôquer.
Esse jogo de cartas se baseia em quem consegue enganar melhor o adversário, então, os bons jogadores são especialistas em detectar os sinais corporais dos rivais para extrair informação sobre as cartas que escondem: uma piscadela, uma pulsação quase imperceptível da carótida, um lance fugaz com o olhar.
Os detetives fazem o mesmo em um interrogatório.
“Onde estão seus olhos? Você mantém contato visual? Está nervoso? Fica batendo os pés? Batendo na mesa com os dedos? Fica olhando a porta? Os pés estão firmemente plantados no chão para sair rapidamente assim que possível?”, explica Kenda.
Todos esses movimentos corporais ocorrem inconscientemente quando se conta uma mentira ou se tenta enganar alguém.
É nisso que ele presta atenção. “Por que esta pessoa age de forma diferente? O que está acontecendo?”
Os “bons” mentirosos
Naturalmente, há pessoas que são boas em mentir, e, em sua longa carreira, Kenda encontrou uma ou outra. “São sociopatas“, diz ele.
“Uma personalidade assim não tem emoções humanas. Não sente amor, nem culpa, nem compaixão.”
Assim, é difícil detectar quando mentem. Curiosamente, a única coisa que conseguem manifestar é raiva: “Não me deixe furioso. Se ficar, vou te matar“, explica. É aí que pessoas assim podem se entregar.
Kenda usa seu método não só em seus casos, mas para analisar declarações de polícos e pessoas em posições de poder.
Um exemplo foi em 1998, quando o então presidente americano Bill Clinton, envolvido no escândalo com a secretária da Casa Branca Monica Lewinsky, disse diretamente às câmeras de TV: “Não tive relações sexuais com essa mulher“.
Quando viu isso, Kenda achou imediatamente que ele estava mentindo.
Ele diz que a expressão no rosto de Clinton, sua aparente raiva e o tom de repugnância em sua voz eram meticulosamente calculados para que o telespectador sentisse empatia pelo falso sentimento expressado por ele: “Como alguém pode me acusar de algo assim?”.
A primeira coisa que Kenda especulou foi o motivo de Clinton estar tão na defensiva. “Isso me deixou imediatamente intrigado.”
Durante a declaração, Clinton levantou uma das sobrancelhas e fez gestos indignados com o dedo. O ex-policial concluiu que estava fazendo o que todos os culpados fazem: “Acreditam que a melhor defesa é o ataque“.
Mas a mentira teve pernas curtas em ambos os casos. Clinton sobreviveu ao julgamento político a que foi submetido no Congresso após o escândalo.
Por sua vez, Lochte está vendo sumir seus milionários contratos de patrocínio com marcas internacionais.
Fonte: BBC