Quando um avião fretado pelos Estados Unidos e repleto de agentes da Interpol tocou o solo americano, por volta das 23h desta quarta, Claudia Cristina Sobral Hoerig, de 53 anos, se tornou a primeira brasileira da história a ser extraditada para ser julgada no exterior.
A aeronave, que partiu do Brasil sob forte esquema de segurança e sigilo, levava Claudia de volta ao país ao qual ela se naturalizou e de onde, há dez anos, teria fugido logo após assassinar o marido, Karl Hoerig, ex-piloto da Força Aérea Americana.
A volta de Claudia é também um marco para a história das relações internacionais brasileiras e abre a possibilidade de que mais brasileiros que tenham obtido cidadania de outras nações possam enfrentar processos semelhantes ao dela.
O caso judicial de Cláudia se arrastou por mais de dez anos antes que ela entrasse no voo da Interpol.
A brasileira nasceu Cláudia Cristina Sobral, no Rio de Janeiro, mas se mudou para os Estados Unidos ainda nos anos 1990. Casou-se com o médico nova-iorquino Thomas Bolte e, graças à união, conseguiu o Green Card – a licença permanente para viver e trabalhar no país.
Nos Estados Unidos, se tornou contadora. Em 1999, já divorciada de Bolte, resolveu concluir o processo de naturalização como cidadã americana. A mudança facilitaria a atuação profissional de Claudia, que teria aumentado seus rendimentos em cinco vezes depois da alteração de nacionalidade, de acordo com o que disseram os advogados dela no processo brasileiro.
O que talvez Claudia ignorasse no momento em que tomou essa decisão é que, ao assumir a a cidadania americana, ela estaria necessariamente abrindo mão da brasileira.
Casamento e morte
Karl Hoerig e Claudia teriam se conhecido pela internet. Ele era um veterano das guerras do Afeganistão e do Iraque e, depois de voltar aos Estados Unidos, trabalhava como piloto comercial. Em 2005, eles se casaram, ela adotou o sobrenome dele e o casal foi morar em Newton Falls, um vilarejo de cerca de 5 mil habitantes em Ohio, onde Hoerig nasceu. O casamento, no entanto, não durou nem dois anos.
O corpo de Hoerig foi encontrado em 15 de março de 2007, na casa dos dois, com perfurações de balas nas costas e na cabeça. Apenas três dias antes, no suposto dia da morte do piloto, um vizinho do casal teria visto Claudia sair de casa com pressa.
Naquele dia, ela voou para o Brasil, deixando para trás boa parte dos pertences pessoais. As investigações da polícia de Ohio concluíram que Hoerig havia sido alvejado por disparos de um revólver Smith & Wesson, calibre 357 – semelhante a um modelo que Claudia havia comprado apenas cinco dias antes da descoberta do homicídio.
Testemunhas disseram tê-la visto praticando tiro com a arma em um alvo próximo à casa. Para a polícia americana, ela se converteu na suspeita número um. Um pedido de prisão foi expedido.
A Interpol a incluiu na lista de procurados e o Estado americano entrou com um processo no Brasil para que ela fosse devolvida a território americano para ser julgada.
O processo
O caso causou comoção nos Estados Unidos, onde Hoerig é frequentemente retratado como herói nacional. No Facebook, um ex-colega de Forças Armadas do piloto criou uma página – intitulada Justice For Karl Hoerig – para divulgar notícias do caso e pressionar políticos americanos pelo retorno de Claudia.
Em documentário sobre o caso veiculado pela TV Americana CBS em novembro passado, a família do ex-piloto faz acusações contra ela.
“Eu descobri (que Karl havia morrido) quando o meu irmão mais velho me ligou e me contou. Ele simplesmente disse: ‘Karl está morto’. Assim que ele disse “Karl está morto”, eu já sabia quem tinha feito isto. Imediatamente, eu sabia que tinha sido ela”, disse o irmão dele, Paul Hoerig, ao programa “48 hours”, da rede CBS.
No mesmo programa, a família afirma que o casamento de Claudia e Karl Hoerig era tumultuado, marcado por brigas e discussões.
Até esta quarta, ela não havia mais pisado nos Estados Unidos. Constituiu advogados brasileiros que levaram o caso até o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o assunto foi julgado em março de 2017.
Ao longo do processo, Claudia foi destituída da nacionalidade brasileira. Em julho de 2013, o Ministério da Justiça oficializou a anulação.
No Supremo, os ministros da Primeira Turma levaram em conta que, quando Claudia optou pela nacionalidade americana em 1999, sua nacionalidade brasileira estava definitivamente anulada.
Isso porque a Constituição brasileira prevê, em seu 12º artigo, a perda da nacionalidade brasileira quando outra é adquirida, com algumas exceções – nenhuma delas, para a corte, aplicável ao caso de Claudia.
“A Constituição é muito clara sobre a perda da nacionalidade brasileira. Mas o Brasil não costuma ir atrás das pessoas para retirá-la e alguns consulados brasileiros pelo mundo já chegaram a orientar que não haveria perda dela. Criou-se um clima de não crença na Constituição e isso foi corroborado por práticas administrativas”, afirma Ana Flávia Velloso, professora de Direito Internacional no Centro Universitário de Brasília (Uniceub-DF).
Ela conclui: “A decisão do STF sobre o caso Claudia Hoerig indica o que a Constituição dizia e ninguém acreditava. Se a prática administrativa vai mudar em razão disso, só o tempo vai dizer”, diz a especialista.
O resultado não foi unânime. O Ministro Marco Aurélio Mello protestou contra o entendimento dos colegas:
“Uma primeira vez tem que ser a primeira vez, até pela própria nomenclatura. Vejo que este colegiado (…) está para inaugurar a entrega de uma brasileira nata, ante extradição, a um governo irmão.” Foi voto vencido.
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