Por Felipe Lenhart, especial para o JusCatarina
No dia 22 de fevereiro, Lincoln Gonçalves Santos, 33, protocolou na OAB/SC a solicitação para a expedição do seu certificado de aprovação no 24º Exame da Ordem. O momento foi especial para este bacharel em Direito que levou seis anos para concluir o curso na Univali de São José, na Grande Florianópolis, e duas outras tentativas frustradas de passar nas provas da entidade. A conquista se torna ainda mais cara quando se sabe que as atribulações enfrentadas pela média dos estudantes extrapolaram o ambiente acadêmico no caso de Santos. Afinal, não é todo preso que, ao perseguir o sonho da ressocialização, completa o Ensino Superior e comprova-se apto a exercer a profissão que sonha para a sua vida desde o momento em que entrou numa penitenciária, aos 20 anos de idade, para cumprir pena de duas décadas e meia de reclusão por latrocínio (roubo seguido de morte). Isso quer dizer que a saga de Santos para se tornar o advogado que o seu conhecimento já lhe permite ser está longe de terminar: com os direitos políticos cassados por ainda estar cumprindo pena, ele prepara-se para brigar pela carteira profissional e pela revisão, na Justiça, de sua condenação.
Santos começou a estudar Direito no segundo semestre de 2010. A descoberta de que poderia frequentar as aulas aconteceu durante visita da juíza Denise Helena Schild de Oliveira à Colônia Penal Agrícola de Palhoça. Nesse dia, ele a abordou e questionou se, como magistrada, acreditava que um apenado poderia mudar de vida. Segundo Santos, ela respondeu que sim, estudando ou trabalhando.
“Aí eu disse que já tinha encaminhado um pedido de estudo e perguntei por que ela não tinha assinado ainda. E ela me surpreendeu dizendo que já tinha assinado. Na semana seguinte, a autorização chegou.”
A partir daí, a família de Santos se mobilizou – uma tia se prontificou a pagar as mensalidades e a mãe conseguiu efetuar a matrícula com base no bom histórico escolar do filho. A notícia, porém, não foi bem recebida dentro da Colônia Penal.
“Quando soube que poderia começar a estudar, fui até um agente penitenciário para dizer que a partir de agora ele teria de me autorizar a sair para ir à faculdade. Ele me hostilizou. No dia seguinte, vou para a faculdade e quem eu encontro na sala de aula? O agente. Eu fiz que não o conhecia. Depois, na Colônia, ele veio me pedir desculpa pelo tratamento.”
O semestre transcorreu com Santos acordando às 6h30 de segunda a sexta-feira, embarcando às 7h num coletivo da linha Bela Vista até o Kobrasol, em São José, assistindo às aulas até as 11h e retornando para a Colônia Penal no ônibus das 12h30. Na penitenciária, fazia os trabalhos de aula à mão, porque não ganhou permissão de usar computador, internet ou celular. Os livros, que teve de pegar emprestados na biblioteca da faculdade, eram revistados quando ele chegava da aula.
“A primeira semana foi boa. Os colegas achavam que eu era apenas um guri que vinha de um lugar pobre falando um monte de gírias. Mas depois o agente contou para o pessoal quem eu era, de onde eu vinha. E aí a relação mudou. Metade da sala se afastou. Entre os professores, foi mais tranquilo. Eles foram compreensivos e não me tratavam de forma diferente dos demais.”
Mais um atraso de vida
No primeiro semestre de 2011, quando Santos estava na segunda fase, um incidente disciplinar quase arruinou o seu sonho de estudar Direito. Por ter ido para a faculdade num dia em que não houve aula (feriado emendado), mas permanecido na biblioteca do campus fazendo trabalho de Filosofia na companhia de um colega, o juiz da Vara de Execuções Penais considerou o fato uma quebra do acordo e determinou a regressão do regime. Com isso, Santos perdia o direito de estudar.
“Argumentei na audiência que a faculdade avisava cancelamento de aulas por SMS ou e-mail, que eu não tinha, e que se o campus estivesse fechado, eu teria voltado para a Colônia Penal, mas não deu. Então tive de recorrer com um agravo de execução que levou nove meses para ser apreciado. Nesse período, voltei para o regime fechado e ao inferno da penitenciária de Florianópolis, vivendo tudo aquilo de novo: rebelião, tiro de borracha, um querendo matar o outro, sem livros. Perdi dois semestres.”
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