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Responsabilidade do hospital por falha na prestação de serviços

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Recentemente trabalhamos em um caso envolvendo defeito na prestação de serviço de um importante hospital de Porto Alegre/RS. Sem adentrar no caso específico, a falha ocorrida resultou na morte de um feto de 32 semanas. 

Nós, enquanto seres humanos, esperamos que coisas ruins aconteçam. O que não esperamos é que um hospital de grande porte situado em uma capital não siga o padrão mínimo de etapas que são exigidas e indicadas pelo próprio Conselho Federal de Medicina, para oferecer o melhor e mais adequado atendimento ao paciente que chega ao ambiente médico, seja ele hospitalar, clinico ou ambulatorial.

Neste tipo de situação, geralmente não há um erro de uma única pessoa, na maioria das vezes, o que acontece é uma sequência de erros por vários profissionais de uma equipe e consequentemente um defeito na prestação de serviços.

Devemos lembrar que há a responsabilidade penal por erro médico, assim como existe a responsabilidade civil que pode ocorrer de duas formas. No que tange a responsabilidade civil aplicável, Sergio Cavalieri Filho bem distingue as duas hipóteses de responsabilização médica: 

  • responsabilidade decorrente da prestação do serviço direta e pessoalmente pelo médico como profissional liberal; e 

  • responsabilidade médica decorrente da prestação de serviços médicos de forma empresarial, nesta incluídos os hospitais.

Embora o médico só possa responder por erro se ficar provada sua culpa, a doutrina tem entendido que o hospital responde objetivamente por prejuízos causados aos pacientes. No caso em tela, vamos abordar a responsabilidade civil do hospital enquanto fornecedor de serviços.

Dito isso, devemos levar em consideração que de um lado está a pessoa física que se utilizou dos serviços prestados pelo hospital como destinatária final, e de outro, a entidade hospitalar, pessoa jurídica que desenvolve atividades de prestação de serviços, configurando a relação comercial e consequentemente aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor em uma ação indenizatória por danos morais.

Dessa forma, o hospital responde de forma objetiva, ou seja, independentemente de aferição de culpa, fazendo-se necessária apenas a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, inteligência do art. 14, caput, do CDC.

A esse respeito, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) assim já se pronunciou, reiterando, o entendimento de que aplica o CDC (Código de Defesa do Consumidor) no que se refere à responsabilidade médica e hospitalar:

RECURSO ESPECIAL: 1) RESPONSABILIDADE CIVIL – HOSPITAL – DANOS MATERIAIS E MORAIS – ERRO DE DIAGNÓSTICO DE SEU PLANTONISTA – OMISSÃO DE DILIGÊNCIA DO ATENDENTE – APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR; 2) HOSPITAL – RESPONSABILIDADE – CULPA DE PLANTONISTA ATENDENTE, INTEGRANTE DO CORPO CLÍNICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL ANTE A CULPA DE SEU PROFISSIONAL; 3) MÉDICO – ERRO DE DIAGNÓSTICO EM PLANTÃO – CULPA SUBJETIVA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA APLICÁVEL – 4) ACÓRDÃO QUE RECONHECE CULPA DIANTE DA ANÁLISE DA PROVA – IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO POR ESTE TRIBUNAL – SÚMULA 7/STJ. 1.- Serviços de atendimento médico-hospitalar em hospital de emergência são sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor. 2.- A responsabilidade do hospital é objetiva quanto à atividade de seu profissional plantonista (CDC, art. 14), de modo que dispensada demonstração da culpa do hospital relativamente a atos lesivos decorrentes de culpa de médico integrante de seu corpo clínico no atendimento. 3.- A responsabilidade de médico atendente em hospital é subjetiva, necessitando de demonstração pelo lesado, mas aplicável a regra de inversão do ônus da prova (CDC. art. 6º, VIII). 4.- A verificação da culpa de médico demanda necessariamente o revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, de modo que não pode ser objeto de análise por este Tribunal (Súmula 7/STJ). 5.- Recurso Especial do hospital improvido. (REsp 696284/RJ – Recurso Especial 2004/0144963-1. Relator(a) Ministro Sidnei Beneti. Orgião Julgador T3 – Terceira Turma. Data do julgamento: 03/12/2009).

Cumpre referir que, entende-se por nexo de causalidade ou também chamado de nexo causal, o momento em que existe uma ligação entre a conduta de um agente e o dano causado a outrem. No caso em discussão, a conduta dos profissionais do hospital e o dano causado a um feto, seus pais, avós e a família como um todo. 

Evidente que para verificar o nexo de causalidade há uma vasta produção de provas, principalmente a realização de perícias para detectar se aquela conduta gerou tal resultado. A análise da prova pericial deve ser ampla e detalhada, para evidenciar, ou não, o nexo de causalidade entre a conduta de um e o resultado danoso de outrem.

A cerca do valor da indenização, ensina Kfouri Neto que “a reparação, em caso de morte, deve ter em vista mitigar a dor dos familiares, amenizar a abrupta frustração daquela expectativa risonha de se viver sempre ao lado dos entes queridos, atenuar a sensação de vazio e desesperança.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL MUNICIPAL. ERRO MÉDICO. MORTE DE FETO. QUADRO CLÍNICO QUE EXIGIA INTERNAÇÃO. CONDUTA NÃO ADOTADA PELO NOSOCÔMIO. NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. MANUTENÇÃO. HONORÁRIOS RECURSAIS. (…) III. No caso concreto, a prova dos autos evidenciou a presença dos requisitos necessários ao reconhecimento do dever de indenizar, pois restou evidenciado o nexo causal entre os danos alegados e o procedimento médico adotado pela equipe médica do nosocômio municipal. De acordo com a perícia realizada nos autos, havia indicação de internação hospitalar da demandante para monitoração materna e fetal, conduta que não foi adotada pelos médicos da ré e que poderia ter evitado o óbito do feto. Incidência dos arts. 186 e 927, do Código Civil. IV. Outrossim, a hipótese dos autos reflete o dano moral in re ipsa, uma vez que o sofrimento, a angústia e o transtorno causados pela parte requerida são presumidos, conferindo o direito à reparação sem a necessidade de produção de prova quanto ao abalo psicológico. Em outras palavras, o próprio fato já configura o dano. V. De outro lado, cabível a majoração do quantum indenizatório, na proporção de 60% para a autora e 40% para o autor varão, tendo em vista a condição social dos requerentes, o potencial econômico da ré, a gravidade do fato, o caráter punitivo-pedagógico da reparação e os parâmetros adotados por este Tribunal em casos semelhantes. (…) APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70079060372, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em: 31-10-2018). 

Ressalta-se que, não é o patrimônio o conteúdo do dano moral, mas sim a dor, a tristeza, a emoção e o sofrimento, têm legitimidade para reclamar, como no caso em exemplo, a mãe e o pai do bebê, que esperavam ansiosos pela chegada do filho tão desejado, e viram seu sonho interrompido em decorrência de uma morte trágica e injusta.

Diante disso, importante lembrar que em 2002, a Terceira Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo fixou em 250 salários mínimos a indenização devida aos pais de um bebê morto por negligência dos responsáveis do berçário. (Ag. 437968). 

Não há dúvidas que o tema é tormentoso e de difícil enfrentamento, mas deve ser discutido e compartilhado, tendo em vista que atualmente este é um dos assuntos mais recorrentes do judiciário brasileiro.

Por Jéssica Aguirre da S. Mongeló – Advogada  OAB/RS 116.905

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