Decisão do juiz titular da 2ª Vara Cível de Campo Grande, Paulo Afonso de Oliveira, anulou parcialmente a doação de um imóvel de luxo feita por uma idosa com mais de 80 anos a um casal de pastores. A declaração do juiz faz parte da sentença proferida em autos de defeito e nulidade de negócios jurídicos em que figuram atualmente os herdeiros da senhora.
Segundo informado no processo, desde 2008 a idosa começou a receber a visita em seu apartamento, na região central da Capital, de um casal de assistentes religiosos. Aos poucos, os dois ministros foram se tornando amigos da mulher e exercendo uma influência cada vez maior em sua vida. Para tanto, porém, eles alegavam que a senhora sofria de possessão demoníaca e que poderiam auxiliá-la a se livrar deste mal. Além disso, o casal de pastores dizia conseguir se comunicar com mortos e passava, assim, o que entes falecidos da idosa queriam que ela fizesse em vários âmbitos de sua vida.
Entre outras ingerências feitas pelo casal, houve a outorga, em janeiro de 2010, de uma procuração que permitia aos ministros religiosos gerir e administrar todos os bens da senhora, inclusive receber quantias em seu nome e movimentar suas contas bancárias.
Já em abril daquele mesmo ano, os pastores celebraram contrato de compra e venda de uma casa de luxo no bairro Vila Gomes, em Campo Grande, avaliado à época em R$ 535 mil, em que a idosa figurou como “interveniente pagadora”, transferindo diretamente de sua conta poupança o valor do imóvel, que nunca teve seu nome na escritura, mas tão somente do casal. O negócio seria, na verdade, uma doação para que a igreja transformasse o bem em um abrigo para idosos, o que nunca ocorreu.
Em 2012, então, a aposentada ingressou na justiça requerendo a anulação tanto da compra e venda da casa, quanto de um veículo importado que também teria sido adquirido pelos religiosos mediante engodo.
Na contestação apresentada, os requeridos esclareceram serem pastores e jamais terem se aproveitado da requerente, tampouco a induzido a erro no negócio jurídico. Frisaram, igualmente, que o imóvel foi adquirido por meio de doação, no entanto, de forma pura e simples, e que nunca utilizaram a procuração recebida da senhora.
O juiz Paulo Afonso de Oliveira, contudo, entendeu se tratar de doação com encargo, ou seja, aquela em que a pessoa que recebe o bem, para ter seu direito sobre ele assegurado, deve cumprir a contraprestação imposta pelo doador. “Com efeito, a autora adquiriu a casa e a escriturou em nome dos requeridos, mas na realidade pensou estar fazendo uma doação com encargo. Isso porque por diversas vezes a autora confirmou que adquiriu a casa para os pastores/réus para que lá eles fizessem o trabalho da igreja (cuidar de idosos)”, asseverou o julgador.
O magistrado ressaltou, porém, que idosa era pessoa lúcida com discernimento para tomar suas decisões. Assim, concluiu que esta, em razão da amizade que tinha com os pastores, entendeu por bem doar-lhes uma casa, porém, com a finalidade de ser o imóvel usado para trabalho de caridade, tratamento e hospedagem de idosos, condição descumprida pelos pastores.
“Por isso, entendo por bem anular parcialmente o negócio jurídico para que a requerente conste como a legítima compradora do imóvel, e não apenas como interveniente pagadora, passando a ser a adquirente, excluindo os requeridos da compra e venda, respeitando-se a vontade das partes”, sentenciou.
Fonte: TJ-MS